"-Eu queria viver 20 anos como se fossem 2 dias".
Na hora nós todos rimos, talvez por estarmos todos num certo transe, mas no fundo todos entendiam o real significado da frase.
Muitos autores já escreveram maravilhosos textos sobre o tempo, sempre tive o conceito do Eterno Retorno do Nietzsche como um amuleto imaginário que me faz lembrar do quanto é importante dar valor ao nosso tempo, ao nosso agora:
2"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?" (A Gaia Ciência)
Outro autor que gosto muito é o Ferreira Gullar, ele escreveu um poema chamado Poema Sujo que de certa forma fez ele atravessar a barreira do tempo e voltar para o Brasil, após o seu exílio na época da ditadura.
"...É impossível dizer
em quantas velocidades diferentes
se move uma cidade
a cada instante
(sem falar nos mortos
que voam para trás)
ou mesmo uma casa
onde a velocidade da cozinha
não é igual à da sala (aparentemente imóvel
nos seus jarros e bibelôs de porcelana)
nem à do quintal
escancarado às ventanias da época
e que dizer das ruas
de tráfego intenso e da circulação do dinheiro
e das mercadorias
desigual segundo o bairro e a classe, e da
rotação do capital
mais lenta nos legumes
mais rápida no setor industrial, e
da rotação do sono
sob a pele,
do sonho
nos cabelos?
e as tantas situações da água nas vasilhas
(pronta a fugir) a rotação
da mão que busca entre os pentelhos
o sonho molhado os muitos lábios
do corpo
que ao afago se abre em rosa, a mão
que ali se detém a sujar-se
de cheiros de mulher,
e a rotação
dos cheiros outros
que na quinta se fabricam
junto com a resina das árvores e o canto
dos passarinhos?
Que dizer da circulação
da luz solar
arrastando-se no pó debaixo do guarda-roupa
entre sapatos?
e da circulação
dos gatos pela casa
dos pombos pela brisa?..."
Há um tempo, li um artigo assinado por Airton Luiz Mendonça que falava sobre a rotina e sobre a nossa capacidade de colocarmos certas capacidades no "piloto automático" para podermos abrir espaço em nossas mentes para novos aprendizados:
"O cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos.
Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem nenhuma mobília, sem portas ou janelas, sem relógio, você começará a perder a noção do tempo.
Por alguns dias, sua mente detectará a passagem do tempo sentindo as reações internas do seu corpo, incluindo os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.
Isso acontece porque nossa noção de passagem do tempo deriva do movimento dos objetos, pessoas, sinais naturais e da repetição de eventos cíclicos, como o nascer e o pôr do sol.
Compreendido este ponto, há outra coisa que você tem que considerar:
Nosso cérebro é extremamente otimizado. Ele evita fazer duas vezes o mesmo trabalho. Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia. Qualquer um de nós ficaria louco se o cérebro tivesse que processar conscientemente tal quantidade. Por isso, a maior parte destes pensamentos é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo.
É quando você se sente mais vivo. Conforme a mesma experiência vai se repetindo, ele vai simplesmente colocando suas reações no modo automático e ‘apagando’ as experiências duplicadas. Se você entendeu estes dois pontos, já vai compreender porque parece que o tempo acelera, quando ficamos mais velhos e porque os Natais chegam cada vez mais rapidamente.
Quando começamos a dirigir automóveis, tudo parece muito complicado, nossa atenção parece ser requisitada ao máximo. Então, um dia dirigimos trocando de marcha, olhando os semáforos, lendo os sinais ou até falando ao celular ao mesmo tempo. Como acontece? Simples: o cérebro já sabe o que está escrito nas placas (você não lê com os olhos, mas com a imagem anterior, na mente); O cérebro já sabe qual marcha trocar (ele simplesmente pega suas experiências passadas e usa, no lugar de repetir realmente a experiência)..."
http://intensidade.wordpress.com/2008/01/11/sobre-a-rotina-airton-luiz-mendonca/
Na correria da nossa vida moderna às vezes acabamos por deixar no piloto automático muitas coisas que deveriam ter um valor maior em nossas vidas, e não é fácil equilibrar a necessidade de estar atualizado com as novidades tecnológicas, as novidades midiáticas, nem as novidades culturais baseadas nessas duas anteriores, com a qualidade de vida, qualidade de sensibilidade, qualidade de conhecimento (sabedoria), etc...
A Teoria da Relatividade do Tempo e dos Sentidos
Às vezes é preciso ter os pés descalços
e quebrar o compasso em rítmos ímpares circulares
improvisar um novo caminho, andar de um novo jeito
aprender a esquecer e não ter tanto medo de errar
afinal buscamos verdades simples ou poder?
Sábio mesmo é aquele que sabe que nada sabe
e que com o tempo saberá o quanto sabe menos ainda
aquele que nada apenas para desfrutar da capacidade de seus músculos
aquele que voa como uma gaivota pelo simples sabor do vento
aquele que muda o caminho porque sente que caminha apenas dentro de si
aquele que sabe o quanto navegar nesse imenso mar
é necessário e impreciso
pelas cidades que oprimem em concretos os olhares
que competem em milhares de propagandas de carros
nas cidades que ensurdecem em ruídos
os ouvidos que já não distinguem os próprios passos
respire fundo e mergulhe na doce voz do silêncio
antes que a tempestade de ventos te cubra de responsabilidades
ajeite sua vela e aproveite a limonada do tempo
aproveite os seus dias como se fossem um último desejo
e o relativo tempo lhe será imensamente grato
e os seus dias frutificarão mais belos, suculentos e nutritivos,
para que você alimente a sua alma e o seu corpo em todos os sentidos.
Salvador Dali - O Tempo |
Ôh loko, mew!!! rs
ResponderExcluirTerminei de ler!
Tempo,tempo, tempo... Ótimas explicações sobre o "piloto automático"! Lembrei-me do filme 'Click', aborda exatamente esse baixo interesse que se tem pelo tempo...Com tantas obrigações e tarefas, o que realmente importa é esquecido. E daí passam as horas, dias, semanas, meses e anos na mesma rotina obrigatória, às vezes torcemos para que o tempo passe cada vez mais rápido, deixando para trás tantas coisas das quais um dia nos arrependeremos de não tê-las curtido um pouquinho mais. Sobre "que competem em milhares de propagandas de carros"... Ainda terei meu Hyundai! =P! rsrsrs
Abraço, querido Johnny!
Post extremamente consciente!