sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Processo

Envelhecer é difícil.
Nem tanto.
Quando se deixa apenas o sopro de vida
esvair-se com o tempo.



Difícil mesmo é manter a ternura
ardendo no peito.

As desilusões vão tomando conta do olhar
como um glaucoma que nos faz acreditar
não podermos mais acreditar
em nossos mais belos sonhos.


Difícil é quando se sabe já não ter mais
a vida inteira pela frente
e pior ainda quando perdemos a capacidade
de rir dos nossos próprios erros
de olhar palidamente para a nossa imensa imperfeição meliante.


Quando já não chegamos mais a inspirar a fumaça
da fonte das palavras como antigamente,
abrindo tanto os ouvidos que de certa forma os cerram
abrindo tantas pupilas que dessa mesma luz nos cegam...


...mas é aí que nesse exato momento me vem o seu castanho e meigo olhar
e eu já não me preocupo mais com tudo que tem tomado tanto o meu tempo...


Quadro Melancolia de Albrecht Dürer

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Deus Dará

Ah quem me dera ter um colete à prova de cansaço
pois ultimamente já não tenho tido forças
nem para cometer direito os meus pecados

Quem me dera ter um tipo de energético
que triplicasse o valor dos meus sonhos
para que eu pudesse a cor dar e dar mais e mais valor
a esta imensa obra de arte que é a vida

Para que eu pudesse sempre ser a imensa esponja
que absorve tudo aquilo que observa

Que eu pudesse sempre ser o imenso catalisador
que transforma tudo aquilo que atravessa

Privilégio é poder acordar ao lado
e com o carinho de alguém que te ama
ser feliz e agradecido com o amor que tem
fazer de um céu azul o seu azul celeste
saber valorizar o doce conforto de uma cama

Ah quem me dera dar à tantos todo meu amor
todo amor que tive e que sei que Deus dará
para iluminar a escuridão dos corações do mundo
para refletir amor além quando outra vez cansar

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Via Láctea - Olavo Bilac

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa dourada,
Ressoante de súplicas, feria...

Tu, mãe sagrada! Vós também, formosas
Ilusões! Sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, ó meu amor! Eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando...

Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura
Me ouves agora com o melhor ouvido:
Toda a ansiedade, todo o mal sofrido
Em silêncio, na antiga desventura

...

Tantos esparsos vi profusamente
Pelo caminho que, a chorar, trilhava!
Tantos havia, tantos! E eu passava
Por todos eles frio e indiferente...

...


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi:”Amai para entende-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Poema completo em:


http://www.culturabrasil.pro.br/vialactea.htm