quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Esperança (Tradução de Haroldo de Campos)

Injete sangue no meu coração,
enche-me até o bordo das veias!

Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
sobre a terra
não vivi o meu bocado de amor.

Eu era gigante de porte, mas para que este tamanho?

Para tal trabalho basta uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.


Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
esfregar,
lavar,
escovar,
flanar,
montar guarda.

Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastantes porteiros?
Eu era um tipo alegre,
mas que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?

Em nossos dias,
se os dentes vos mostrarem não é senão para vos morder ou dilacerar.

O que quer que aconteça,
nas aflições,
pesar...

Chamai-me!
Um sujeito engraçado pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles e alegorias,
malabares dar-vos-ei em versos.


Eu amei... mas é melhor não mexer nisso.
Te sentes mal?
Tanto pior...
Gosta-se, afinal, da própria dor.
Vejamos...
Amo também os bichos -
vós os criais,
em vossos parques?


Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
Gosto deles.
Basta-me ver um desses cães vadios,
como aquele de junto à padaria,
um verdadeiro vira-lata!

e no entanto,
por ele,
arrancaria meu próprio fígado: Toma, querido, sem cerimónia, come!

Vladimir Maiakovski

3 comentários:

  1. O figado, o pulmão, o coração, daria qualquer parte minha mesmo que me levasse a morte, pois adoraria viver apenas nele!


    Muito tempo acho que nem te conheço mais, nem me conheço mais =]

    Bjos

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  2. Uau! Parece que a esperança está um tanto atarefada. Até para os cães vadios ela é a última que morre. Brilhante!
    Um abraço, Johnny.

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  3. Johnny
    Uffa, recomecei a respirar agora que danada de espoerança.
    Lindo demais e junto com o Outro eu que li e reli no Fio de Ariadne já não saio mais daqui.

    Parabéns por tão lindas poesias. Sua alma é de um poeta.

    Arrisco alguma de vez em quando e gosto muiop de contar histórias.

    Estou como finalista no Concurso de Contos do Fio de Ariadne com o conto O Diário e se puder passe lá para ler.

    Beijos

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