terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Meus Ressentimentos / Desaprendendo A Dirigir / Queimando Freios

Todas as pancadas que levei
por manter as minhas mãos atadas às suas
me faz manter agora o freio de mão puxado
e por mais que eu viva momentos intensos de alegria plena
é como se meu pulsar batesse
como uma âncora em minha alma


sinto que minha liberdade em relação à isso
não seja só questão de tempo
pois me faltam parâmetros essênciais
para sentir a alquimia orgânica do mundo
fazendo com que tudo se torne intensamente mágico novamente

É como se eu tivesse que desaprender a dirigir,
ou a andar de bicicleta, para poder seguir em frente
e acreditar que um dia eu encontre alguém
que saiba amar sem necessitar ter as mãos atadas às minhas

Vejo agora que a solidão que eu tanto fugi
é o grande dom que eu ainda não havia conseguido compreender
No estado que estou tudo é tão entorpecidamente racional
que não me surpreendo mais com o organismo natural
detalhado e meticulosamente mecânico que é o ser humano

E a mágica, aquela coisa realmente valiosa,
acaba ficando só na paixão pelo desconhecido
mero dom platônico de se imaginar o reflexo narcisista
que um grande amor poderia ironicamente me arrebater
mas enquanto esta flor ainda voa
psicobelicamente nos sons que se propagam
ocos e metálicos ecos da minha mente
sou todo timbres e cores e perfumes que me reciclam a alma
fragmentos de paixões que foram quebrados em pequenos cacos
que se um dia por acaso dos astros,
ou de qualquer improbabilidade da vida forem colados,
poderei recuperar a mesma capacidade de amar
como se meus ressentimentos ainda fossem virgens
ou maduros o suficiente
para aprender, quando é preciso aprender
e aprender a desaprender,
quando é preciso aprender a esquecer.


Inspirado neste poema do Fernando Pessoa:


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas

(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abrac,os e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


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